segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

AS CARTAS DE IRMÃ DULCE

Irmã Dulce (destaque) no Convento do Carmo de São Cristóvão, 1934.
Acervo Obras Sociais Irmã Dulce


Gaetano Passarelli esteve em São Cristóvão, antes de publicar Irmã Dulce: o anjo bom da Bahia, em 2003. Na ocasião, garimpava informações sobre a estada da religiosa no Convento de Nossa Senhora do Carmo, entre fevereiro de 1933 e agosto de 1934. Lembro da entrevista concedida pela Irmã Hilária, da Santa Casa de Misericórdia, a respeito do seu convívio com a Irmã Dulce, quando ela ainda se chamava Maria Rita Lopes Pontes. Foi nesse momento que tomei conhecimento de que a Irmã Dulce escrevera cartas e memórias sobre a quarta cidade mais antiga do Brasil.[1]

Recentemente, recebi as transcrições que Adelita Pitanga executou a partir do epistolário de Irmã Dulce. Escrevo para compartilhar a descoberta e adiantar as primeiras impressões. Como dado geral, ou crítica externa, convém salientar que o epistolário é composto de três cartas manuscritas, arquivadas nas Obras Sociais Irmã Dulce, em Salvador. Dada sua importância, cópias escaneadas foram anexadas ao “Processo Histórico de Beatificação de Irmã Dulce”, que tramita no Vaticano desde junho de 2001.

As três cartas foram destinadas a Maria Imaculada de Jesus, nome de Elisabeth Maria Gertrudes Tombrock, fundadora e Madre Superiora da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição (IMIC), que estava no Convento de São Boaventura, em Nova York.

A primeira carta foi escrita no dia 19 de março de 1933. Nesta, Maria Rita revela o contentamento por estar no “tão desejado Convento do Carmo”, com as irmãs e a Mestra, Irmã Prudência. Sobre os afazeres diários, interpreta como pequeninos atos de amor que realiza feliz como uma criançinha. Recorre à proteção de Santa Terezinha de Liziêr para enfatizar que seus atos e pensamentos desvelam o “caminho da infância espiritual” traçado pela guia. Ela compara o postulantado com um (re)nascimento, assim escreve: “creanças de 6 mezes e até 1 mez e dias!...Raymunda chegou em agosto, quer dizer que tem 7 mezes quase. Maria de Lourdes, eu e Angelina temos 1 mez e [10] dias pois chegamos juntas no dia 9 de fevereiro... Eu penso que, quando chegamos ao convento, nascemos outra vez para viver só para Jesus”.[2]

Nas últimas linhas, a remetente informa que no sábado de Aleluia as postulantes pretendem fazer um boneco de Judas para queimar, que o testamento não faltará na brincadeira. A neófita promete mantê-la ciente das novidades.

Diferente da primeira, na segunda carta, de 27 de agosto de 1933, Maria Rita assina “Irmã Dulce”, corroborando batismo ocorrido no dia 13. O noviciado é o assunto dessa epístola. Fala da emoção e gratidão inenarrável para expressar o que sente ao “vestir o hábito, que representa as cores da vestimenta de nossa Mãe do Céo”; ao fazer a leitura das regras da IMIC ou mesmo para afirmar o quanto gostou do nome “pois não só faz parte da Salve Rainha e ainda também, porque Dulce era o nome de minha mãesinha e é, o de uma irmãsinha”.[3] Nestes termos, falando da “Escola da Perfeição” que representa o noviciado, finaliza a missiva.

A última carta foi escrita em 18 de agosto de 1934. Nela, a temática predominante é a celebração da Santa Profissão e os votos prestados, intencionalmente, no dia 15 daquele mês e ano. Foi no dia 15 de agosto de 1909, há 25 anos, que a fundadora e Primeira Madre Geral, Maria Imaculada, tivera o milagre da cura, em Lourdes, na França. Em razão do fato histórico, o retiro presidido pelo Revmo. Vicente, que Irmã Dulce conhecia da terra natal, encerrou com uma procissão das internas até a gruta existente no convento carmelita, local de reflexões e adorações. A exultação da freira, “esposa de Jesus” pelos votos de pobreza, obediência e castidade, completou-se na “presença do pai - Sr. Augusto Pontes Lopes - que Jesus trouxe para assistir o grande dia!”.[4]

Sem fetiche, o epistolário de Irmã Dulce constitui fonte preciosa de informações aos historiadores. De forma explícita (datas, nomes, local etc) ou implicitamente (cotidiano, liturgia, o silêncio etc) as impressões facultam substanciar pesquisas diversas. Numa linguagem cinematográfica, a narrativa revela flashes de uma vida que teve São Cristóvão como cenário. Esse fato, desconhecido de muitos, não passou despercebido no cordel de Manoel d’Almeida Filho, Vida, obra e morte de Irmã Dulce, de 1992:

“Teve seu noviciado
Encaminhado ao convento
De São Cristóvão, em Sergipe,
Para cumprir seu intento
De trabalhar pelos pobres
Enfrentando o sofrimento.

No ano de trinta e três
Maria Rita cansada
A nove de fevereiro
Pela tarde era chegada
Ao seu destino, em Sergipe,
Por seu pai acompanhada.

Entregue Maria Rita
A noviça professora
Nas mãos da Irmã Prudência
A Madre Superiora
Que seria sua mestra
Para a missão redentora”.[5]

Naqueles anos de estudo, 1933 e 1934, a Irmã Dulce estabeleceu uma intensa relação com a cidade que “confirmou, através dos ares espirituais dos seus templos, a certeza da sua vocação religiosa”, - como ela gostava de lembrar. Sobre esse aspecto é pertinente lembrar que a gruta em que a noviça orava, no Convento do Carmo, virou local de visitação, um dos lugares da Irmã Dulce. Olga Braga dos Santos, 86 anos, grande amiga da noviça Maria Rita, lembra emocionada dos seus afazeres, como tocar o sino, tirar água da fonte, limpar o chão, das orações; lembra ainda da boneca Célica, o brinquedo inseparável da religiosa baiana. E dessa forma, a memória sancristovense revelada nos lugares e pessoas completa o epistolário de Irmã Dulce.[6]


Nenhum comentário:

Postar um comentário

BOM CONSELHO-PE